segunda-feira, 15 de junho de 2015

O peculiar 'Rabo de Peixe' abre mostra Olhar de Cinema



Documentário dos portugueses Joaquim Pinto e Nuno Leonel abriram quarta edição do festival que ocorre em Curitiba


Divulgação


Cena de 'Rabo de Peixe

Rabo de Peixe, o bonito documentário dos parceiros de vida e cinema Joaquim Pinto e Nuno Leonel, abriu a quarta edição do Olhar de Cinema. Os realizadores portugueses não vieram a Curitiba para prestigiar as sessões lotadas em três salas do shopping que sediam o evento, mas enviaram um simpático vídeo para saudar os espectadores, como fizeram no ano passado quando venceram o festival com E Agora? Lembra-me.

Neste, Joaquim narra em primeira pessoa seu padecimento por ser soropositivo, as consequências e desafios da doença. É talvez uma das razões por ele não ter ido também a Berlim, onde Rabo de Peixe estreou. Trata-se de longo projeto, adiado em função de outros filmes e compromissos como técnicos em longas de terceiros, e retomado 14 anos depois pela dupla. O hiato dá uma condição interessante ao atual trabalho, pois registra-se a quase inexistência de transformações significativas na aldeia de pescadores dos Açores onde se acompanha a labuta no mar. Ali o tempo não passa.

Os diretores contam com a facilidade de ter um velho amigo da comunidade para se aproximar dos homens que se lançam ainda de modo primitivo e artesanal a busca do peixe-espada, por exemplo. Em especial detalham o cotidiano de dois irmãos gêmeos, e Pedro acaba sendo um protagonista. Contam com a sorte e o conhecimento do mar, em meio a fortes tempestades e armadilhas do oceano. Adotam procedimentos rudimentares, e a cena em que lançam as redes com os barcos em círculo é tão impactante como a deTerra Trema, de Visconti.

Mas além das imagens, temos essa espécie de crônica um tanto piadista e irônica, uma autoironia por vezes, que marca a narração de Leonel e seu parceiro, devota em grande parte de João Cesar Monteiro, com quem trabalharam e a quem dedicam o filme. Numa segunda apreciação,o filme se mostra um tanto reiterativo, com as várias saídas à pesca, e talvez pela falta agora de um elemento surpreendente contido no texto.

Sem dúvida o cinema da dupla é muito peculiar, nos faz sentirmos íntimos de seu universo, seu amor pelos cachorros, e um deles, Rufus, se tornou personagem maior involuntário no vídeo de agradecimento, ao entrar em cena mancando. Não deixa de ser curioso como essa aproximação pessoal do cinema, com marca autoral e de memória, ocorre também com uma nova geração formada por Miguel Gomes e João Nicolau.

Mar de lama

A programação inicial de ontem trouxe outras mazelas provocadas pelo natureza além da violência que pode abater e matar pescadores. Lav Diaz, o filipino que gosta de estender o tempo como método em filmes que podem durar até seis horas, foi o destaque ontem junto com o cinema de outro radical, Jean-Marie Straub. Mas são radicalidades diferentes.

A de Straub, sem mais a companheira de vida e obra Daniele Huillet, morta em 2006, passa pela reflexão filosófica e literária, o que se dá mais uma vez em La Guerre d'Algeriee Kommunisten. O primeiro são apenas dois minutos de um diálogo entre um psicanalista e seu possível paciente a respeito da noção de violência e morte. Antecede no tema a discussão sobre tolerância e convivência entre diversos, explorando o ideal no mundo atual, uma utopia em que Straub se vale de textos de André Malraux, Holderlin e Elio Vittorini.

Este na verdade surge a partir de filme anterior da dupla, Operai Contadini, em diálogo apenas lido por intérpretes sem uma representação. Aliado a esse método de recitação, Straub fixa sua câmera nos atores ou deambula com ela por paisagens de vilarejos do norte da Italia e seu declínio depois da Segunda Guerra. É um tempo de cinema muito particular, que não conquista todos os públicos, mas se fruído com atenção e boa vontade resulta numa discussão potente e rara. O festival faz bem em atentar a produção de Straub, como fez no ano passado, afastado do nosso circuito.

Vem mais pela imagem a mensagem de Lav Diaz, desta vez com prioridade adicional. Em Storm Children, ele fixa sua câmera nas crianças que tomam as ruas da principal localidade filipina atingida pelo violento tufão ocorrido em 2013. Faz assim um diálogo direto com seu compatriota Brillante Mendoza, que em Cannes deste ano apresentou na paralela Certain Regard The Trap, focando a mesma tragédia.

Enquanto este se vale da realidade miserável no entorno dos despejados pelo tufão, e a partir disso tece uma crônica ficcional, Diaz apenas deixa imagens como a de navios lançados a terra e da destruição de casas provocada por eles falarem por si só. Seus protagonistas são os meninos que cavam e buscam entre escombros, algo valioso que tenha sobrado. Tudo em meio a chuva que cai intensa. São 140 minutos, o que poderia ser considerado um filme curto aos padrões de Diaz, mas o título sugere apenas uma primeira parte.

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