David Franzoni, o laureado produtor de "Gladiador", sabe como criar um filme a partir de um evento histórico. Ele agora está diante de um novo desafio para seu novo projeto: trabalhar com o governo chinês, que tem suas próprias ideias sobre fazer filmes.
Contratado ano passado por uma produtora estatal para escrever o roteiro do drama de US$ 30 milhões ambientado na Dinastia Tang, Franzoni propôs usar um general rebelde como uma "janela" para aquela era remota.
Paramount Pictures/Associated Press
Robert Downey Jr. como Tony Stark em "Homem de Ferro". Nova versão será produzida na China.
Mas havia um problema: para os censores chineses, o general não era nenhum herói, mas sim um intruso estrangeiro que traiu um imperador do século VIII, segundo Franzoni e seus produtores chineses. Os produtores disseram a Franzoni que ele deveria ser menos favorável ao general e se concentrar mais no imperador e sua consorte. Assim, o roteirista submeteu ano passado uma segunda versão que ele diz continua fiel à sua visão, só que foi aprovada pelo Estado. Funcionários do governo não responderam a solicitações de comentários.
China e Hollywood estão se preparando para fazer mais filmes juntos. Hollywood quer ter acesso a um mercado em rápido crescimento, enquanto a China quer que Hollywood a ajude a fazer filmes com grande orçamento e gorda bilheteria, como os dos Estados Unidos.
Ontem, a gigante americana de entretenimento Wall Disney Co. e a chinesa DMG Entertainment anunciaram a assinatura de um contrato para produzirem juntas, na China, o próximo filme do "Homem de Ferro". Outros grandes estúdios americanos divulgaram nos últimos meses sociedades ou coproduções na China.
Mas a experiência de Franzoni com o filme da Dinastia Tang destaca os desafios que existem pela frente. Embora as autoridades chinesas tenham dado passos importantes para atrair produtores de filmes, o país ainda mantém um forte controle sobre quem pode participar da sua indústria cinematográfica e que filmes eles podem fazer.
No caso do "Homem de Ferro", Dan Mintz, diretor-presidente da DMG Entertainment, não quis comentar se as autoridades chinesas já haviam visto o roteiro. Mas ele disse que já havia tido longas discussões com elas e que estava confiante que qualquer problema de criação seria resolvido. Um representante do governo para cinema compareceu à entrevista coletiva do "Homem de Ferro" ontem, e disse que a nova parceria entre a Disney e a DMG ajudaria na "importante tarefa de melhorar a qualidade dos filmes do país".
Mintz, que é americano, vem trabalhando na China há muitos anos. Nos EUA, "só estamos realmente preocupados com um grupo de pessoas: o consumidor", explicou ele recentemente ao The Wall Street Journal. "Na China, você tem que ser bom em lidar com o governo e com o consumidor."
Os estúdios dos EUA vêm há décadas tentando furar as rigorosas restrições a filmes estrangeiros da China. Seu objetivo é uma fatia maior das crescentes receitas de bilheteria do país, que em 2015 devem atingir US$ 5 bilhões, de acordo com relatórios do governo, contra US$ 2,1 bilhões no ano passado.
Em fevereiro, a China concordou em ter mais filmes estrangeiros dentro das suas fronteiras. Ela vai permitir 34 filmes por ano em vez de 20, desde que os filmes adicionais usem ou telas largas de Imax ou tecnologias 3-D. O país também vai deixar os estúdios americanos ficarem com cerca de 25% da receita com bilheteria nos cinemas chineses. Atualmente, os estúdios dos EUA ganham entre 13,5% e 17,5% da receita. (Os limites não se aplicam a filmes produzidos em sociedade com uma empresa chinesa.)
O acordo de comércio aconteceu no mesmo dia em que a DreamWorks Animation SKG Inc. anunciou uma sociedade com três parceiras chinesas para produzir filmes e programas de televisão na China. Jeffrey Katzenberg, diretor-presidente da DreamWorks, referiu-se ao negócio como uma "aliança histórica" que vai gerar produtos de ação animados e ao vivo para a China, pelos chineses, na China, com uma qualidade que na verdade pode ser exportada para o resto do mundo".
Muitos das novas parcerias entre China e EUA pretendem criar filmes que agradem audiências dentro e fora da China. Mas esse é um equilíbrio delicado. Os filmes com temas e referências chineses geralmente não entusiasmam o público ocidental. E a censura rígida do governo chinês torna o desafio ainda mais complexo.
Os sinais desses desafios aparecem claramente em vários filmes recentes, inclusive "As Flores da Guerra", de 2011. Estrelando Christian Bale — mais conhecido pelo papel de Batman em "O Cavaleiro das Trevas" — o filme bilingue, em chinês e inglês, faturou US$ 95 milhões na China. Isso fez dele a maior bilheteria chinesa de 2011.
Nos EUA, entretanto, nenhuma das grandes distribuidoras queria o filme. As distribuidoras americanas estavam preocupadas com a intensa, e muitas vezes nacionalista, violência do filme, o seu foco histórico, e a predominância chinesa, segundo pessoas familiarizadas com as decisões das distribuidoras. Algumas receavam que o filme fosse pirateado, um problema ainda grande na China, antes de chegar aos cinemas.
O filme acabou ficando com a produtora Wrekin Hill Entertainment. Lançado nos EUA em janeiro, ele amealhou cerca de US$ 300.000 nos cinemas do país. O diretor-presidente da Wrekin Hill, Chris Balll, diz que o filme esgotou os ingressos durante a sua semana de qualificação para o Oscar, em dezembro passado, mas "caiu por terra" depois da estreia em janeiro. Ele atribui o fracasso à pirataria, à crítica não muito boa e à trama poderosa, mas difícil, do filme.
Os próximos dois anos serão um teste. Várias produções sino-americanas, entre elas um drama de ficção científica estrelando Bruce Willis, devem chegar aos cinemas ao mesmo tempo em que grandes produtoras americanas desenvolvem produções chinesas. Doug Liman, diretor nos EUA de "O Senhor e a Senhora Smith", está trabalhando num filme sobre um guarda-costas inglês de Sun Yat-sen, considerado o pai da China moderna. Um filme de ação de Sylvester Stallone chamado "Os Mercenários II" teve sua inscrição recentemente recusada.
Até novembro, a China Film Co-production Corp. havia avaliado 87 inscrições de produtoras estrangeiras de filmes, incluindo 7 dos EUA. Trata-se de um aumento em relação a 2009, quando o órgão do governo processou 65 inscrições, sendo 3 dos EUA. (Não foi possível verificar a tempo se houve candidatos latino-americanos.)
Mais estão a caminho. No começo deste mês, um fundo patrocinado pelo governo chinês informou que começaria a cofinanciar e a coproduzir filmes tanto na China quanto nos EUA, e um empresário chinês de entretenimento criou um fundo de US$ 800 milhões para financiar filmes ao redor do mundo.
(Colaborou Laurie Burkitt, em Pequim.)
fonte: www.online.wsj.com
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