Peter Pan e Edgar Allan Poe inspiraram Michael Jackson, diz autora; leia trecho de livro
da Folha Online
O cantor norte-americano Michael Jackson, considerado a maior estrela da música pop de todos os tempos, foi também uma das mais polêmicas celebridades de que já se teve notícia. Das cirurgias plásticas, que alteraram suas feições, à mudança radical da cor de pele e às acusações de pedofilia, o "Rei do Pop" nunca ficou completamente afastado dos noticiários desde que atingiu a fama com o conjunto Jackson 5, nos anos 60. A sua morte, nesta quinta-feira (25), em Los Angeles, pôs fim a uma das mais bem-sucedidas carreiras musicais da indústria fonográfica, que deixa, entre outras preciosidades, os álbuns "Off the Wall" (1979), "Thriller" (1982) e "Bad" (1987), além da maior vendagem de discos da história: algo em torno de 200 milhões.
Da sua infância traumatizante à fama meteórica, o cantor teve sua vida registrada em "Para Entender Michael Jackson" (Rocco, 2006), da jornalista Margo Jefferson, vencedora do Prêmio Pulitzer de 1995 e crítica de teatro do jornal "The New York Times". A obra relata, entre outras coisas, a conturbada infância do astro, repleta de violência e estímulos sexuais precoces, tudo com base em uma profunda análise de suas principais referências artísticas e comportamentais.
Leia o trecho extraído do livro "Para Entender Michael Jackson" abaixo:
Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".
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ABERRAÇÕES Toda mente é um aglomerado de lembranças, invenções e antigas repetições. A mente pode ser um gueto, o que, nesse caso, representa um lugar fechado, confinado. Ou um santuário, onde cada um é livre para sonhar e pensar com o que quiser. Para a maioria de nós, a mente é as duas coisas - e outras muito mais complicadas. Um gueto pode ser um lugar de vitalidade, um santuário pode se tornar uma prisão. Michael Jackson escapou do gueto de Gary, Indiana, e construiu o santuário de Neverland, a Terra do Nunca. Este se tornou uma espécie de circo-prisão emblemático da mente de Michael Jackson.
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Vencedora do Prêmio Pulitzer explica fênomeno Michael Jackson |
Lágrimas escorrem no rosto enrugado de E.T. quando ele sonha com o lar; Charlie Chaplin sentado, sozinho, em um degrau, com o queixo entre as mãos. Uma faca brilha na ruela escura; uma pantera passa à procura da presa e desaparece; espíritos maléficos e lobisomens dançam em uma mansão em ruínas: o capitão Eo veste uma roupa prateada quando desce do espaço para salvar as crianças dos males de nosso planeta. Agora, filas de cantores-dançarinos desfilam e giram em perfeita harmonia. Crianças de todas as nações flutuam felizes no céu noturno, depois descem à terra e cantam a paz com vozes altas e doces; uma estátua colossal do próprio com uniforme militar cavalga o mundo ao belo som dos acordes de "Carmina Burana".
Aqui está Elvis Presley, que também é uma das atrações; Diana Ross, mais uma atração; Elizabeth Taylor, outra atração; o pequeno Emmanuel Lewis com sua pele cor de castanha e o atrevido muito branco Macaulay Culkin, ambos são atrações; Joseph Jackson, o pai que acredita em castigar, mas não espancar; Katherine Jackson, a mãe, sempre apoiando e sempre evasiva. Vejam fotos e vídeos de Michael desde a infância. Todos esses elementos são espelhos que refletem os estágios da vida desse homem. Vamos dar início ao nosso passeio.
Phineas T. Barnum? Um modelo para Michael. O mestre da indústria americana do divertimento. Fantasia, fingimento e toques de exaltação. Ninguém melhor para animar uma platéia dando-lhe uma sensação bruta e animadora, mas não especialmente correta, educação. O primeiro sucesso espetacular de Barnum, ocorreu em 1835, quando ele comprou os direitos para exibir uma ex-escrava chamada Joice Heth no seu teatro, em Connecticut. A servidão a deixara quase completamente inválida. O homem de teatro viu promessa naqueles membros nodosos e nos ombros curvados. Barnum a vestiu com uma camisola limpa e uma capa branca, a fez sentar no palco e apresentou à multidão ávida a velha babá de George Washington, de 161 anos. "Para usar a própria linguagem dela quando falava do ilustre Pai deste país, 'ela o criou'", seus anúncios proclamavam.
Quando Heath morreu, no ano seguinte, Barnum pediu que fosse feita autópsia. Um médico imprevisivelmente honesto revelou que, ao invés de Ter nascido em 1674, Heath não tinha mais oitenta anos. Barnum disse estar atônito. Fora enganado por Joice e seu ex-dono, ele declarou. Foi então que seu sócio piorou as coisas, dizendo que Barnum havia encontrado Joice em uma plantação e a treinou para passar por ama de Washington. O público adorou ambas as histórias e Barnum adorava espalhar as duas. As pessoas queriam acreditar e saber que tinham sido enganadas, desde que não soubessem quando ou como.
Em 1842 Barnum abriu seu Museu Americano na baixa Broadway, na Cidade de Nova York. A entrada custava vinte e cinco centavos, o que não era uma quantia pequena naqueles dias: "Uma entrada garantia admissão a palestras, teatro, um zoológico e uma exposição de curiosidades humanas, vivas ou mortas." Uma das amostras era Madame Clofullia da Europa. Madame nascera na Suíça. Em uma foto ela aparece de pé, com seu vestido negro de babados, com uma das mãos delicadamente apoiada no ombro do marido. Seu pescoço está envolto com renda branca. Mas é parcialmente escondido por sua longa, escura e emaranhada barba. Um freqüentador zangado do museu a leva aos tribunais. Ela é um homem, ele protesta. O processo resulta em publicidade gratuita para Barnum. Este leva um grupo de médicos ao tribunal e juntos oferecem prova médica de que Madame Clofullia é biologicamente uma mulher. Ela continua a trabalhar no museu.
Nem sempre é fácil encontrar genuínas maravilhas humanas como Madame Clofullia. Como homem de teatro, Barnum sabe como transformar um surpreendente efeito visual em uma história recheada de aventura. Mostre um homem tatuado de tanga e ele se transforma no príncipe Constantino da Grécia. O príncipe foi raptado pelo Khan de Kashgar: por isso tem 185 tatuagens no corpo, cada uma delas cruelmente gravadas com agulha em sua carne.
Michael Jackson leu fervorosamente a autobiografia (pelo menos uma das oito versões) e deu cópias a toda a sua equipe, dizendo: "Quero que minha carreira seja o maior espetáculo da Terra." Assim, ele se tornou produtor e produto. O próprio empresário. Quem entre nós não é capaz de lembrar de pelo menos um dos espetáculos que se seguiram: Michael Jackson dormindo em uma câmara hiperbárica como um belo e jovem faraó em seu túmulo ou a adorável Branca de Neve no seu caixão de vidro? Ele era obcecado pelo Homem Elefante; afirmava Ter visto o filme trinta e cinco vezes, nunca deixando de chorar o tempo todo! Tentou comprar várias vezes os ossos do Museu Britânico, oferecendo milhões de dólares. Apareceu em público usando uma máscara cirúrgica: podia ser o médico em um velho filme de horror, pairando ameaçadoramente acima do homem cruel ou trágico, prestes a Ter seu destino e sua idade mudados para sempre. Então o vemos sem máscara no palco, em uma cerimônia de entrega de prêmios, no tribunal, e compreendemos que ele foi aquele homem por um longo tempo.
Michael Jackson torna-se o conglomerado de um só homem com alcance global: seus discos e vídeos; o catálogo dos Beatles; comerciais da Pepsi; viagens ao redor do mundo. Ele era transnacional. Reencenou sua supremacia em vídeo. "Se você quer ser minha querida / não importa se você é negra ou branca."* Se você quer dançar comigo, não importa se você é indiana, russa, africana ou americana nativa. Você pode se transformar em qualquer coisa (de esquimó gorducho a um jovem americano com cabelo liso cor de mel; de um jovem americano em um garoto de pele escura com cabelos pixaim); você pode ser de qualquer idade, raça ou gênero. O idealismo global acompanha o mercado global. Se você compra meus discos, não importa quem você é ou onde está.
O material exibido no museu de Barnum, curiosidades etnológicas e partes de espetáculos circenses também determinam o padrão para nossos programas diários de entrevistas. Há diferença entre aquele tempo e hoje? As pessoas exibidas por Barnum eram supostamente aberrações da natureza, fora dos limites do "Normal". As nossas são vendidas como aberrações do estilo de vida. A psicologia e a sociologia têm a mesma importância que a biologia; esse é o objetivo das longas entrevistas confissionais com o apresentador e as intensas conversas com a platéia. Programas noturnos como Fear Factor são atrações recreativas. Comer sanduíches de lesmas e saltar em tanques fechados transformam os velhos truques dos parques de diversão (engolir espadas, arrancar cabeças de galinhas com os dentes) em brincadeira da classe média. Todos os dias as pessoas satisfazem seus caprichos e conseguem seus quinze minutos de fama. Cada vez mais. Elas combinam desempenho teatral e satisfação de desejos: esta semana você faz negócios respeitados por Donald Trump; você é o "joão-ninguém" que a mulher certa escolhe em vez do belo garanhão; uma "transformação extrema" faz o patinho feio virar um cisne.
Fonte : Folha Ilustrada
Postado por Carlos Guimaraes de Matos Jr
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